— O que mais ouço
dizer:
“Felicidade é
castigo!”,
“O Sertão é mau
senhor!”
Como ser feliz,
amigo,
Se da morte é
provedor?
— Deixa ora,
homem, de bestices!
Que bem fazes te
lembrar
De tristes e
más tolices?
Mas pra ainda te
falar,
Posso até dizer
sem tema,
No exercício do
pensar,
Pra elucidar o
problema,
Que o Sertão
tem o seu jeito
Tão próprio e
peculiar;
Não sei se
certo ou defeito,
Quer medir pra
avaliar:
Se a chama que
arde no peito
É capaz de
suportar
As durezas do
lugar.
— O rumo desta
conversa
Pode ter outra
preamar
Até bem menos
adversa;
Mas antes inda te
digo,
Do que ouço
muito contar,
Só pra
adiantar, amigo,
Que o Sertão na
sua arte
Como guarda de
reserva
Sempre quer a
sua parte;
Súdito da
Velha-Treva,
Tudo faz pra
que lhe farte;
Esta cujo nome
é forte
E também nunca
tarda a hora
Nem da ceifa o
duro corte,
Vem nos cobrar
a penhora,
Certa como o vento
norte,
Mas com multa,
juro e mora;
Pois está
sempre à espreita,
De mortalha entreaberta,
Capa bem medida
e feita,
Terno de barata
oferta,
Para a tal dita
alma, eleita.
— Fazendo um
pequeno aparte,
Sabe-se bem, ó
compadre,
Na seca se vê no
estandarte
A estampa da Voraz
Madre;
Mas de uma
coisa discordo
Ter o Sertão
nisso parte,
É sobre isso
que te abordo:
Que absurdo tal
disparate?!
Se bem inda me recordo,
Para a lei de
desempate
Como tiro a
bacamarte:
O Sertão é o pai
do forte;
A mãe dos
fracos, a morte.
— Não se faz
bem duvidar:
O Sertão se
aliou à morte,
Todo mundo sabe
já;
A voz do povo é
a de Deus,
Com razão tem
seu lugar,
Duvidar é obra
de ateus!
Amigo, é bom,
tás atento,
Uma palavra mal
dita
Traz sempre
padecimento,
Dirá a que
deixa a alma aflita!
Veja os
finíssimos galhos,
Os retorcidos
arbustos,
Esquálidos espantalhos,
Como destes
povos bustos;
Um povo que sempre
à míngua,
Sem sequer um
pingo d’água
Que lhe sacie a
seca língua.
Pensar isso não
é em vão,
Tenho ou não
tenho razão?
— Ainda nos meus desdigos,
Eu só quero acrescentar:
Viver e morrer são antigos,
Coisa fácil de aceitar;
Pois nada há de anormal,
Passamos todos por isso,
É um círculo natural,
tarmos no mundo a serviço,
Seja do bem ou do mal;
Daí o Sertão não ter
Nada por que haver com isso.
— O Sertão tem vida própria,
Basta prestar atenção,
Não é isso onirocrisia
E não vã fabulação;
Ele tudo que quer pode,
Basta sacudir a mão.
Sem que mais nada o incomode,
Vem coroando de espinhos
As frontes nuas dos pobres;
Cristos cravados nos pinhos,
Sobre os açoites dos nobres,
Feitos cactos pontudinhos
À forte luz que lhes cobre;
Mais o abafado calor
Que Ele expele de antemão
Como carrasco opressor
Faz desgraçado o peão;
Com o ardo sol vingador,
Tal monstro da insolação
Vem, com muito mais pavor,
Tirar-lhe da mesa o pão.
— Isso não é bem verdade,
É coisa que não se diz,
Ato de leviandade
Dá, ao outro, alcunha infeliz.
O Sertão é só o Sertão,
Não há nada que isso mude;
Ao bioma da região,
Aliam-se clima e latitude;
Massas úmidas e frias,
Barradas pela altitude,
Criam tão pouca invernia ‒
Falta d’água nos açudes!
— Plantação, povo e gados,
Sem mais ter quem os acuda,
Passam de tudo usurpados,
Por não ter na vida ajudas
E assim seguem isolados,
Tal de Cristo um dia, Judas.
— Seria bom ter cuidado
Com o que tanto se alude,
Falar de algo não passado
É desrespeitoso e rude;
Pavão de cores plumado
Já não bebe água de açude,
Só vê terreiro impensado
Onde carcará não surge;
E não sabe o que do corpo
Bem lá mais pra dentro ruge:
Fome no esqueleto morto
Quando a Violenta insurge.